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ÉTICA, ALIMENTAÇÃO E ESPIRITUALIDADE




A fala que me foi proposta versa sobre alimentação e espiritualidade. Eu acrescento um outro conceito a esses dois pois é por causa da ÉTICA ANIMAL que eu acabei entrando nesse universo temático e convidado pelo Fernando. Então falarei sobre ÉTICA, ALIMENTAÇÃO E ESPIRITUALIDADE

Há muitas formas certamente de acercamento da temática, eu escolhi uma forma pouco usual que é fazer afirmações e teses que se prestem para debate e conversa, que é o que importa.


Nesse sentido peço a licença para apresentar 10 teses que me parecem cobrir minimamente o campo que circunscreve esses três conceitos – ÉTICA-ALIMENTAÇÃO-ESPIRITUALIDE


As primeiras três afirmações tratam da ética, A quarta, quinta e sexta afirmação tratam da ALIMENTAÇÃO ética

E as quatro restantes tratam da Espiritualidade ética na alimentação


10 TESES – DEZ AFIRMAÇÕES


1- Primeiramente uma distinção importante entre ÉTICA E MORAL. ÉTICA E MORAL não são sinônimos. A moral é o que um grupo, uma cultura, uma tradição, um povo considera correto e bom. A moral é relativa e particular, se ancora e se expressa nos hábitos e nos costumes. A ética pretende ser imparcial, universal e crítica. Crítica no sentido de ser ciência da moral e enquanto ciência da moral capaz de legitimar e fundamentar normas morais vigentes em uma determinada comunidade histórica, ou deslegitimá-las. Enquanto universal não depende de hábitos e costumes particulares das culturas, mas se sustentam com pretensão de validade para todos. O que é bom eticamente falando é bom em todos os lugares e sempre e o que não é bom o é da mesma forma. Mesmo que dependa de contextos, torturar nunca será bom, muito menos torturar crianças por exemplo. A moral é portanto, do âmbito do ser, a ética é do âmbito do dever ser. Enquanto imparcial a ética não depende do grau de poder político, religioso e econômico do agente moral. Isso também vale para os nossos hábitos e costumes alimentares, como veremos.

2- A ética começa quando o OUTRO se apresenta e reclama reconhecimento, respeito, ou simplesmente nos convoca a justiça e direitos com a sua face e olhar. Onde houver o face a face e olhar aí entra a ética. O outro por si só me lança um apelo ético de justiça, de trato igual ao que considero bom para mim. Não devo fazer ao Outro, mesmo que possa, o que não gostaria que me fizesse. Devo fazer o outro o que gostaria que me fizesse. A ética se faz urgente e AINDA MAIS pertinente quanto o Outro, no face a face e olhar, torna-se vítima contra sua vontade. Ou mesmo sem face a face, mesmo longe de nós, como no caso do estupro da adolescente no Rio de Janeiro por mais de 30 i-numanos. Sem vítimas não há problema ético. Aliado a isso associa-se a ideia de consciência e liberdade como condições da ética. Onde impera a necessidade, não há certo ou errado, bom ou mau. A necessidade não conhece lei, nem positiva nem ética. A ética pressupões consciência e liberdade. Só há uma questão ética quando estamos diante de possibilidades de dizer não. Ética é pois, opção. Podemos ser ou não ser éticos, não somos obrigados a ser. Ninguém é obrigado a ser ético. Mas para o bem nosso e dos outros, melhor seria que fóssemos.

3- A ÉTICA colabora na evolução da moral. O nosso senso do certo e do errado evolui. O nosso senso de valor e de juízo ético evolui também. Nós evoluído, por exemplo, no reconhecimento e na ampliação do círculo de inclusão do OUTRO e no reconhecimento do outro como vítima e, por consequência, no reconhecimento da impossibilidade de justificação ética de práticas consideradas histórica e moralmente aceitas. Escravidão, submissão da Mulher pelo homem são exemplo disso. Perdemos a inocência em relação ao mal que causamos aos negros e às mulheres na tradição. Se por acaso ainda houver gente que acha que há superioridade e inferioridade natural por conta da cor da pele e do sexo, precisa passar por uma revisão intelectual e moral urgente. Na prática, sabemos, que não há só carros e motos que precisam passar por revisão. A nossa consciência moral também precisa passar por revisão. E quando fazemos isso, estamos fazendo ética, ciência da moral.

4- ÉTICA NA ALIMENTAÇÃO. Estamos agora a um passo de perder a inocência alimentar, inocência no PRATO. O prato e o que entra nele é algo tão natural que raramente e poucos se interrogam seriamente quanto à necessidade de pensar e escolher consciente e responsavelmente o que se come. O ato de comer é um ato ético, ou anti-ético. É um ato ético sempre que nele entra o OUTRO reconhecido como outro, respeitado como outro em seus direitos, e anti-ético quando negamos a alteridade do outro enquanto outro.

5- OS ANIMAIS COMO “OS OUTROS”. De forma direta e sem rodeios, pressupondo já conhecimento de vocês, a comida, a alimentação que inclui dieta animalizada (ovos, leite, carnes e seus derivados) precisa ser confrontada com o juízo de valor: é certo, é justo, é bom? Não se pergunta se é agradável, se é prazeiroso, se é delicioso. A questão não é de gosto, ou de estética, é de ética. A pergunta que pode ser feita é: é possível alimentar-se bem, sem vítimas inocentes como são os animais? Se sim, então porque não? A decisão ancorada na consciência livre é uma decisão, não somente do âmbito da saúde física, mas da saúde mental, psíquica, espiritual e ética. Aqui a conversa poderia ir longe evidentemente. Tanto do lado do reconhecimento da enorme crueldade que nós humanos cometemos, imponto sofrimentos bárbaros aos animais no processo de produção, no manejo e na morte, quanto da já plena condição de vivermos muito bem de saúde e até melhor, sem a dieta animalizada. Quanto a isso, parece não haver contestação teórica, mas tão somente hesitação e resistência a mudar de hábitos.

6- ALIMENTAÇÃO E COMENSALIDADE: De passagem, mas não sem importância, é bom não esquecer que deveríamos sempre associar a alimentação à comensalidade. Alimentar-se tem um caráter ético pelo que vai no prato, o que comemos e o que não deveríamos comer, mas também é um ato ético e espiritual pela forma como comemos. Alimentar-se é um ato biológico solitário, ninguém mastiga por você, ninguém faz a digestão por você etc. A comensalidade, comer juntos, por sua vez é um ato humano ético e espiritual. Não basta comer e comer sem vítimas, é bom comer com o outro, festejar, banquetear, conversar, reunir e pacificar os espíritos ao redor da mesa. A vida nos separa, nos faz competitivos, nos faz até violentos, mas na mesa nos reunimos na paz. Que só é tal se for fruto da justiça, claro. A questão a ser pensada aqui seria a quantas anda a nossa comensalidade. Comemos ao redor da mesa? Com a família, com os amigos, ou sozinhos e com estranhos? Quanto tempo reservamos para a comensalidade diária? O que falamos à mesa? Como espiritualizamos esse ato? Ou fazemos tudo mecanicamente e sem peso e importância?

7- ESPIRITUALIDE E ALIMENTAÇÃO: Talvez seja oportuno acrescentar à ideia da comensalidade, que em si mesma já porta uma dimensão espiritual, a ideia de que alimentar-se sob um horizonte espiritual do BEM significará no mínimo prestar atenção para três atitudes básicas espirituais: a gratidão, o perdão e a solidariedade.

8- GRATIDÃO. Raramente somos os produtores do que comemos e nos alimentamos. A fase industrial da produção de bens de consumo, inclusive o alimentar, na sua divisão social do trabalho nos faz a todos devedores e gratos uns dos outros. Temos alimentos na mesa, fruto do trabalho coletivo da humanidade. A gratidão é o reconhecimento da graça em ação. Não há mérito, ou pouco mérito. Há graça pela ação de Deus, quem acredita, ou pela ação da natureza generosa misturada com a ação de incontáveis mãos que possibilitam o alimento chegar até o nosso prato. Deveríamos fazer uma profunda genuflexão e uma reverência diante de um prato de comida. O arroz, o feijão, o soja, as verduras, os legumes, as frutas, os grãos, as raízes, o pão....tudo o que comemos, passou por mãos generosas e pelo suor do OUTRO. Reconhecer a graça e o dom generoso dos outros e da natureza é sinal de saúde mental e espiritual.

9- PERDÃO: A experiência do perdão, para o JUDEU-CRISTÃO, sobretudo é algo da essência mesma da religião. O mal, que a narrativa bíblica chama de pecado, atinge a todos, mesmo que em níveis e proporções desiguais. Diante do prato somos todos pecadores, devedores. Mesmo os que não se alimentam de produtos animalizados, todos participamos de um mal, mesmo que sutil. Se comemos sojas, arroz, feijão, frutas em geral, legumes, verduras, raízes, de onde vêm esses produtos? Quem os produziu? Em que condições? Quanta exploração humana, e até animal, há nos produtos de que nos alimentamos? Às vezes, sem saber, podemos estar consumindo produtos, fruto de escravidão, e se for alimentos animalizados imagine o processo de criação-produção, manejo e morte dos animais implicados nesse processo, inclusive dos animais humanos que são submetidos a processos de insensibilização diante do sofrimento e mortandade permanente. Mas em qualquer produto de consumo, imagine deterioração da natureza, o uso de agrotóxicos, pesticidas que degrada e deteriora a natureza. Não há inocentes diante de um prato. A atitude de perdão-penitência só pode ser efetiva se acompanhada de informação, conhecimento e compreensão da dinâmica do sistema de produção, transporte e comercialização-distribuição da qual participamos e colaboramos na reprodução sempre que, na ponta da cadeia, compramos e consumimos. Sem pensar na saúde-doença por causa das escolhas erradas na alimentação. Somo culpados, em parte pelas próprias doenças que contraímos no consume de alimentação errada....Ao lado de famintos, há muito obeso!

10- SOLIDARIEDADE: A espiritualidade se une a alimentação e a comensalidade porque é bom que todos tenham de comer. E nem todos tem o que comer! A seguridade alimentar de qualidade é privilégio, não é ainda direito. É necessário continuar insistindo que a paz e um mundo não-violento só é possível e efetivo com JUSTIÇA. Justiça é mais uma das palavras mais pronunciadas e menos reais. Mas nem por isso devemos baixar a guarda na busca da Justiça. Até que a justiça não se concretiza, pelo menos pratiquemos a solidariedade com os desafortunados e injustiçados. Mas não só. Penso que também podemos estender a solidariedade como nota da espiritualidade para os produtores de produtos orgânicos e com sustentabilidade comprovada. A toda forma cooperativada de produção e distribuição. E a toda forma de produção ecologicamente correta, por que não? Para isso, um longo caminho de educação e informação terá que ser percorrido.

CONCLUSÃO: Como conclusão queria apenas lembrar do Papa Francisco que, na LAUDATO SI, nos recorda que pensar ecologicamente, é pensar integralmente. Tudo está conectado e interligado. Ele dizia em relação a crise social e a crise ambiental. Se há uma crise ambiental essa crise não está dissociada da crise maior que afeta os pobres por um sistema de produção e consumo desumano de exclusão e de morte. Nós aqui poderíamos dizer que tudo está interligado na tríplice relação ética, alimentação e espiritualidade. Amém, Namastê, Animastê! “curvo-me diante de ti”.

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